Natural de Tauá, João Sasaque decidiu transformar vivências como uma criança autista em obra literária para ajudar outras pessoas neurodivergentes; “O dia em que Fernando teve azar” já está disponível.
Desde muito cedo, o pequeno João Sasaque dava sinais de que seria um leitor voraz: aprendeu a ler sozinho, aos três anos, e desde então não parou mais de devorar histórias, uma atrás da outra, às vezes várias ao mesmo tempo. Também descobriu logo que amava escrever e desenhar, inspirados pelos livros que os pais, Ana Paula e Messias, lhe davam de presente.
Muitos se tornaram especiais, mas um deles teve destaque na estante e na trajetória de João. Quando, durante um passeio no shopping, Ana Paula decidiu apresentar ao primeiro livro da série de livros infantis “Diário de um Banana”, do estadunidense Jeff Kinney – que conta as aventuras e desventuras de um menino e sua turma de amigos –, ela não tinha dimensão da importância que aquele grupo de personagens teria na vida do filho.
“Ele achou o máximo a história, e eu falei ‘que tal escrever algo? Que tal você fazer algo de você, você falar de você ou de algo que você goste?’. A partir daí, ele começou a criar”, conta a mãe, orgulhosa. Pouco tempo depois, João se inspiraria em Kinney e em grandes artistas brasileiros, como Maurício de Sousa e Ziraldo, para dar início a sua própria série de quadrinhos, tendo como protagonista Fernando, um menino de 11 anos que vive suas próprias histórias divertidas com a família e os amigos.
O primeiro livro escrito por João, “O dia em que Fernando teve azar”, foi publicado pela editora Ases da Literatura neste mês e dá início à série “Turma do Fernando”. O segundo volume e uma edição especial do projeto já estão sendo produzidos pelo jovem talento.
O “nascimento” de Fernando, que carrega uma série de características baseadas na personalidade de João, tornou-se ainda mais especial porque, em paralelo à descoberta das artes, João e a família tiveram outra revelação: o diagnóstico de autismo do menino, que veio quando ele tinha seis anos de idade e trouxe junto uma série de desafios.
Foi justamente na tentativa de driblar as dificuldades de comunicação e coordenação motora do filho – estas últimas causadas por uma condição chamada dispraxia –, que Ana Paula decidiu que a resposta seria investir cada vez mais no incentivo à leitura, que tinha se tornado um hiperfoco de João.
“Tinham dias na nossa casa que eram 10, 15, 20 livros espalhados no chão, porque ele adorava ler”, conta Ana Paula. Por um tempo, as dificuldades físicas impediram que João desse vazão à criatividade; mas com o acompanhamento de uma arteterapeuta e uma psicopedagoga no Iprede, ele conseguiu desenvolver a coordenação motora e as habilidades artísticas.
“As características que o Fernando e eu dividimos são a encrenca e a bagunça, porque somos bagunceiros”, brinca João. “Outra semelhança é enfrentar os desafios [que temos] como autistas”, ressalta.
O pequeno destaca que, além do interesse em escrever e ilustrar histórias – os desenhos do livro, incluindo a capa, são todos feitos por João – também quis escrever uma história que pudesse ajudar “outras famílias que têm crianças neurodivergentes”.
No quadrinho, Fernando conta com seus pais, irmãos e amigos para lidar com o “azar” que carrega, mas depois descobre que o que chama de azar são apenas características diferentes, e que pode contar com sua rede de apoio sendo ele mesmo. “A lição desse livro é: mesmo sendo autista, você pode fazer mais amigos e conquistar qualquer coisa, conquistar o seu sucesso”, destaca João.
Empolgado, o pequeno diz ter realizado um sonho ao ter seu primeiro livro, impresso, em mãos. “É uma sensação muito boa”, comenta. “Meu sonho era publicar um livro, o que já está se realizando. Outro sonho é publicar outros livros e ser ilustrador também”, completa.
Apesar de recente, a empreitada de João nas artes tem inspirado e ecoado em diversos espaços. A publicação do primeiro livro, aliás, foi patrocinada pelo próprio Iprede após o pequeno dar uma palestra sobre seu sucesso terapêutico para profissionais da saúde. Desde então, ele tem sido chamado para falar publicamente sobre autismo e inclusão.
Além do livro publicado e dos próximos capítulos da turminha do Fernando, o pequeno artista também criou, junto à mãe, bonecos e ilustrações para canecas, bottons, cadernos e outros produtos da "turma do Fernando". Inicialmente, a produção em pequena escala tinha como intuito custear a publicação da obra de estreia; hoje, é ponte para o público leitor e uma forma de consolidar a marca que João sonha em expandir.
Para Ana Paula, ver o filho sonhar e poder se dedicar à escrita e ao desenho – na rotina corrida entre escola, terapias e aulas de violino, outra paixão do pequeno – é ter a certeza de que João não está sozinho, e que sabe disso.
“João quase não se comunicava, tinha muita dificuldade. Mas as pessoas o abraçaram de uma forma incrível, e ele começou a ter um desenvolvimento muito maravilhoso, não só por nossa parte familiar, mas pela parte clínica, e também pela nossa igreja”, destaca.
Com orgulho, a mãe destaca o talento do filho e a missão que ele, já cedo, tomou como sua: ecoar a voz de outras crianças autistas e dar destaque a seus interesses e sonhos. “Às vezes, um simples desenho pode se transformar em algo profissional e se tornar uma carreira”, aponta Ana Paula.
“O nosso objetivo é esse: fazer com que as pessoas vejam o trabalho do João e se inspirem, porque hoje em dia a gente sabe que existem muitas famílias que se desesperam ou acham que o diagnóstico pode ‘condenar’ um filho – e, na verdade, um diagnóstico é apenas um diagnóstico. A partir dali que você vai definir o que você vai ser”, conclui.
Serviço:
Livro “O dia em que Fernando teve azar”
Quanto: R$ 54,90
Onde comprar: Vendas neste link e, em breve, em outras lojas on-line
Siga: @joaosasaque
🗒️ Pesquisa, Redação e Edição: Carlos Martins
✍️ Por Ana Beatriz Caldas | Diário do Nordeste
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